terça-feira, agosto 14, 2012

O rock merece respeito



Quando era menino lá em Barbacena, o mundo era dividido em dois blocos: comunistas e capitalistas. Havia terceiro, quarto e quinto mundos, mas serão desconsiderados, aqui. Voltemos. Comunistas e capitalistas comiam criancinhas. Estes, assadas e temperadas; aqueles, cruas, já que eram broncos, grosseiros, cruéis.
O mundo era mais simples (ou parecia). Comunistas eram ateus. Capitalistas dividiam-se por várias religiões, inclusive as que negavam a existência de Deus. Comunistas e capitalistas desejavam destruir-se mutuamente. Nunca tentaram, efetivamente, levar a cabo a missão de destruição por medo do revide, que seria fatal. Dizia-se, à época, que o armamento nuclear disponível era capaz de pulverizar o planeta. Comunistas ateus e capitalistas religiosos tinham, no entanto, um inimigo comum: o rock.
Comunistas vociferavam que o rock era instrumento de dominação guiado pelas forças burguesas. Os perversos capitalistas usariam o rock para difundir seus valores nefastos entre a cândida juventude vermelha. Era a trilha sonora da decadência moral, veneno mortal com intento de solapar a sociedade igualitária que seria, um dia, construída pelos sinistros. Não foi, sabemos.
Capitalistas religiosos, por sua vez, não davam tanto cartaz aos comunas. Enquanto estes saracoteavam ao som de marchas militares, jovens capitalistinhas rebolavam à batida do rock. Capitalistas apavoravam-se com a ameaça de dominação comunista, mas havia relativa liberdade de expressão nas democracias ocidentais. Religiosos atribuíam ao rock o poder de minar as resistências espirituais de seus pimpolhos.
O rock evoluiu de diversos ritmos, misturou-se com outros e produziu artistas tão diferentes entre si que é impossível entender como se agrupam sob o mesmo rótulo.
Raul Seixas, aqui no Brasil, cantou que o diabo era o pai do rock. Muitos creram nisso. Antes de Raulzito, líderes religiosos acreditaram que havia mesmo uma ligação íntima entre o Tinhoso e roqueiros. Não é difícil entender o porquê.
Ali embaixo, naquele país de mulheres bonitas e homens bizarros, a ditadura militar desestimulava o rock nacional. Cantado em inglês, tudo bem, ninguém entendia mesmo (não estranhe, meu jovem, no século passado, o inglês, pasme!, não era falado por toda a população). Aí, veio a Guerra das Malvinas. Rock portenho só em castelhano. Se o rock chegou à Argentina e fez a juventude de lá esquecer o tango e a cumbia, chegaria a qualquer lugar.
O rock surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 40, começo da de 50, do século passado. Cruzamento de vários ritmos, era branco no rockabilly de Elvis Presley e negro no rhythm and blues de Chuck Berry (na minha linha do tempo Bill Halley não existe). Nasceu transgressor, domesticou-se, rebelou-se, conformou-se, morreu, renasceu.
Isso, no entanto, é passado. O tempo de se quebrar discos em igrejas evangélicas se foi. A paranoia de se ouvir discos em rotação invertida para descobrir mensagens do capeta ficou em uma época que não nos traz orgulho. Qualquer cantor evangélico (ou gospel, de acordo com as preferências atuais), atualmente, entoa rock sem constrangimento nem medo de parecer carnal.
O velho comunismo esvaneceu-se. Ruiu como prédio do centro do Rio. Os chineses, bastiões do comunismo, se adaptaram e logo chegarão a ser a primeira economia do mundo. Nem comunismo nem capitalismo: pragmatismo.
Heróis trágicos do rock que morreram por desconforto, inadequação e angústia diante da vida não são mais tão comuns. Kurt Cobain suicidou-se com um tiro na boca; Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Ian Curtis foram às últimas consequências bebendo e cheirando o que podiam e não podiam; Amy Winehouse afogou-se em uísque. Roqueiros não morrem mais por desespero. São como os novos comunistas: pragmáticos.
Ídolos de rock e empresários gananciosos não são bons exemplos. Não têm vida compatível com a que é considerada correta por humanos com quem vale a pena conviver. Quase ninguém tem, sejamos sinceros. A música de todos os gêneros é influenciada por vários elementos, inclusive satânicos.
O Black Sabbath, de Ozzy Osbourne e Tony Iommi, tinha o nome associado a rituais de feitiçaria e o fato de Osbourne gostar de morder morcegos de plástico incrementou a mitologia do grupo (aliás, ele diz à revista piauí que esse morcego vai acompanhá-lo na lápide); Jimmy Page, do Led Zeppelin, dizia-se bruxo; Sympathy for the devil, música dos Stones que saiu em Beggar’s banquet, perturbou bastante os cristãos. A verdade é que o público de rock gostava desta rebeldia inócua, típica da mente adolescente. Líderes de igrejas, em vez de agirem como adultos, comportaram-se como crianças. Surgiu, forte, o satanismo fashion. Oportunistas perceberam que dava para ganhar um dinheiro fazendo cara de mau e se dizendo seguidor do capiroto. Os mesmos oportunistas que, em nossos dias, perceberam ser muito lucrativo dizer-se cantor gospel.
O cantor evangélico do passado, além de não ganhar dinheiro, tinha a vida vigiada de perto. Qualquer vacilo e lá ia a “carreira” ladeira abaixo. Os cantores gospel de hoje são profissionais, para o bem e o mal.
Finalizando e, espero, amarrando tudo.
Ritmos e melodias não pertencem a nenhuma entidade. São nossos e podemos usá-los em qualquer lugar. Eu, 58 anos, estranho louvor com funque (funk é outra coisa), passinho, coreografia... Limitação minha. A idade, sacumé.
Letras também não pertencem a nenhuma entidade. São nossas e podemos usá-las em qualquer lugar, desde que guiados pelo bom senso. Não vou entoar funque bandido, misógino, preconceituoso nem no interior de meu cérebro.
O rock é um velho senhor com alguma vitalidade, mas sem o fogo do passado. Fez bem e mal para muita gente. Não foi ele o fator determinante de fracassos e sucessos. Também não pode ser responsabilizado pela queda do comunismo. Muito menos de desviar jovens crentes dos retos caminhos do Senhor. Responsáveis por nossos destinos somos nós mesmos. Sabemos o que devemos fazer. Se não o fazemos...

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