segunda-feira, setembro 03, 2012

O dia em que fui Bat Masterson




Em visita a família amiga, lá pelas tantas, alguém mencionou a morte, aos 90 anos, de Gene Barry. Na sala, quase todos nos lembramos do personagem que o ator viveu em série que fez muito sucesso aqui no Brasil, na década de 60: Bat Masterson.
A musiquinha da série foi cantada em coro, comentamos alguns aspectos do filme e mudamos de assunto, como ocorre nos bons papos sem compromisso.
À noite, já em casa, voltei a pensar no velho herói e me lembrei de um momento traumático de minha vida: o dia em que fui Bat Masterson.
Um carnaval qualquer do começo da década de 60, meu pai levou-me à matinê do Clube da Light, no Grajaú. Estava fantasiado de Bat Masterson. A fantasia era um sucesso entre a criançada. Tinha bengala (a minha foi feita na carpintaria da Projetil), cartola, colete, gravatinha borboleta e revólveres.
Bat Masterson, o da televisão, era canhoto e usava só um revólver. Ganhava as paradas mais no charme do que com as armas. Geralmente, resolvia as pendências com algumas bengaladas.
O Masterson do Clube da Light usava dois revólveres prateados, dispensava o paletó (concessão ao verão carioca) e era avesso a conflitos físicos. A bengala, então, era cenográfica.
O Clube da Light era reduto de uma elitezinha merdéu. Na década de 50, não era permitida a entrada de negros em suas folias. Nos anos 60, meu pai era da diretoria do clube (e negro), por isso era lá que pulávamos no Carnaval.
Na portaria, a funcionária desarmava os Ivanhoés, Vigilantes Rodoviários, Zorros e, desgraçadamente, Bat Mastersons. Tive confiscados meus revólveres e bengala. Criança fica aborrecida, irritada, chateada... Eu, precoce, fiquei foi mesmo puto da vida.
“No final, é só pegar de volta, filhinho”, falou a mocinha. “Filhinho é o caraio”, acho que pensei em dizer, mas não disse.
No salão, o roda pra lá roda pra cá dos bailes carnavalescos. Era muito criança para aproveitar a única coisa boa de bailes de carnaval, o ninguém é de ninguém, mas me divertia. Criança se diverte com pouca coisa.
Fim de baile, vamos à portaria recolher as armas. A mocinha já tinha caído fora. Meu pai gostava de um papo e nunca se apressava. Muita gente fora embora. Entre eles, um puto, filho de pai antissocial, que levou minhas pistolas.
O porteiro me apresentou dois revólveres mixurucas, pretos, fininhos. Gostaria de ter reagido com mais bravura, mas chorei, chorei muito, chorei de fazer escândalo. Meu pai pegou a bengala da mão do porteiro e me confortou: “Depois compro outros revólveres iguais aos antigos pra você”.
Nunca comprou, mas me deu muitos discos e livros. Acho que ganhei com a troca. Não tenho sangue frio para ser matador.

Nenhum comentário: