segunda-feira, agosto 24, 2009

Perereca, Deputado e dr. Cascatinha

Não sei se por haver tanta gente morando nas ruas, ficaram invisíveis alguns tipos folclóricos que sempre povoaram os bairros cariocas.
Na década de 60, morava no Grajaú, e por lá flanava a desbocada Perereca. Velha, alcoólatra, molambenta e constantemente provocada pela molecada. “Pudim de cachaça!”, gritava a criançada. “É a puta que os pariu, bando de veados”, esbravejava a cachaceira. Jamais soubemos de onde ela veio nem para onde foi.
Na Praça Seca, o Deputado discursava horas seguidas. O que dizia era ininteligível. Negro, magro e sempre de botas desancava o governo militar com vigor. Durante toda a década de 70 o vi na Praça, fazendo discursos incendiando alguém.
A última dessas figuras bizarras que conheci foi Demetrio, o dr. Cascatinha. Diferentemente de Perereca e do Deputado, Cascatinha gostava de conversar. Negro, estatura média, trajava sempre ternos gastos pelo uso. “Fui diretor de multinacional, hoje, vivo na rua por opção. Ganhei tanto dinheiro que resolvi experimentar como é a vida dos que nada têm”, dizia Demetrio. Mentia tanto que virou Cascatinha.
“Fui perseguido pela ditadura. Joguei muitos coquetéis molotófis em tanques do Exército”. Não resistíamos: “Demetrio, coquetel molotófi é feito com bala Toffee?” Ele, ar apalermado, já estava tratando de outro assunto: “Pouca gente sabe, mas a Fiat só emplacou no Brasil graças a mim. Os mais velhos lembram que havia um problema no motor do Fiat 147. Me chamaram pra resolver. Eu resolvi.”
Essas figuras fazem falta nas ruas do Rio. Eu me sentava, na Praça Seca, para ouvir o Deputado falar. Quem era aquele homem? Por que tanto ódio do regime militar? Loucura é descontrole fascinante.
Demetrio, que me disse uma vez ter outro nome, quando incorporava o dr. Cascatinha, nos divertia: “Recebi uma carta de George Bush”, falava, mostrava um envelope todo amassado e fazia suspense, esperando que perguntássemos qualquer coisa. “Mas o que o presidente dos Estados Unidos quer com você?”, o satisfazíamos. “Ele sabe que sou muito chegado ao primeiro-ministro Tony Blair. Conheci Tony em uma temporada que passei em Londres, aperfeiçoando meu Inglês e corrigindo os rumos de uma empresa que dirigia. O fato é que George quer que eu use minha influência para convencer Tony a apoiá-lo na invasão ao Iraque”. Nessas horas, juro, se o que Cascatinha dizia não fosse tão absurdo, eu acreditaria. Ele era um mentiroso convincente e, repentinamente, passei a olhá-lo de forma diferente.
Muitos dos que o ouviam, diziam: “Vai ver tem um fundo de verdade no que ele diz”.
Perereca e o Deputado morreram.
O dr. Cascatinha está por aí, contando suas lorotas. Espantoso é que há os que acreditam em suas histórias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Dr. Cascatinha!!!!!! Lembro-me quando ouvi-o contar que foi chamado para reerguer a Varig. "Nice meeting you, man!" Grande amigo do Ayrton Sena... hahahahahhahahahahahaha