domingo, fevereiro 12, 2017

ENCONTRO


 - Amados, antes de dar início à reunião gostaria de ressaltar que todas as facções que lutam pela redistribuição de renda entre a população marginal estão aqui presentes. Acho que merecemos uma salva de palmas.
Juntos, os sete líderes dos grupos criminosos que dominavam a cidade se entreolharam. Olhares de ódio, mas aquele era o momento de tratar de temas maiores.
- Bagre, quero parabenizá-lo pelo sucesso ao alinhavar com tanta sabedoria e humildade este encontro que pode se tornar histórico. Não creio que haverá paz entre nós, mas é importante termos estratégias uniformes contra o inimigo comum: as instituições que representam a lei.
- Obrigado, Mequetrefe. Bom, alguém tem algo a... Diga, Rolha.
- Amigos, Bagre, soube de fonte seguríssima que as madames voltarão para as portas dos quartéis da PM na segunda-feira. Os caras lá de cima não respeitaram o combinado. A paralisação não terá prazo para acabar. Creio que é um bom momento para engendrarmos ações conjuntas. Podemos arrepiar a cidade e mostrar nossa força.
- Por obséquio, Bagre, posso dar uma sugestão?
- Claro, Pocahontas. Estamos afinados com a atualidade. A voz de uma mulher é fundamental.
- Com todo respeito à proposição do Sr. Rolha, creio ser este o momento de pensarmos fora do casulo. Por que, em vez de atacar a cidade durante a greve não a protegemos?
Bagre era apaixonado por Pocahontas. Foram criados juntos. A luta armada os separou. Observou a reação dos parceiros. Viu surpresa, estupefação, curiosidade. Pocahontas prosseguiu.
- Sabemos que a PM é pouco popular. Há vozes importantes que propõem, inclusive, o seu fim. Ao atacarmos a cidade revelaremos a este povo manipulável que ele precisa da polícia. Nós, involuntariamente, melhoraremos a imagem desgastada desta corporação.
Camarão não resistiu.
- Algumas coisas só saem da cabeça de mulheres. Como vamos proteger a cidade? Vamos nos uniformizar como vigilantes?
Pocahontas desprezava Camarão.
- Meu caro misógino. Protegeremos a cidade ao não atacá-la. Por intermédio de nossa rede, alertaremos a todos que qualquer crime cometido no período será julgado pelo Tribunal do Movimento.
Camarão não se convence.
- Querido, sei que você é travado, mas faça um esforço e pense. Quando perceberem que a ausência da PM não causou transtorno algum à cidade, ganharão força os que almejam o seu fim ou lutam pela desmilitarização da força. Vou lhe passar dados estatísticos levantados por nosso Centro de Inteligência. 53% de nossas despesas é com custeio da estrutura; 47% é para cafezinho e cervejinha de policiais, juízes e políticos. O resultado é que precisamos elevar o preço dos produtos. Nossos clientes passam a comprar drogas mais baratas, mais viciantes, mais mortais. E é bom lembrarmos que pouco a pouco o discurso de legalização das drogas ganha força. Há empresários ávidos por esse filão. O caos não nos favorece. A atmosfera de violência e morte leva ao desejo de mudança. Entendam de uma vez por todas: não queremos que nada mude. Continuaremos ganhando dinheiro com a desgraça alheia, reduziremos a despesa da propina e, consequentemente, diminuiremos o preço e aumentaremos a qualidade de nossos produtos. Não queremos nossos consumidores mortos muito rapidamente.

Bagre olhou os companheiros e percebeu que eles estavam convencidos. Seu olhar cruzou com o de Pocahontas e nos verdes olhos da morena viu promessa de que, pelo menos com ele, outro encontro haveria.

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