- Amados, antes de dar início à reunião
gostaria de ressaltar que todas as facções que lutam pela redistribuição de
renda entre a população marginal estão aqui presentes. Acho que merecemos uma
salva de palmas.
Juntos, os sete líderes dos grupos criminosos
que dominavam a cidade se entreolharam. Olhares de ódio, mas aquele era o
momento de tratar de temas maiores.
- Bagre, quero parabenizá-lo pelo sucesso ao
alinhavar com tanta sabedoria e humildade este encontro que pode se tornar
histórico. Não creio que haverá paz entre nós, mas é importante termos
estratégias uniformes contra o inimigo comum: as instituições que representam a
lei.
- Obrigado, Mequetrefe. Bom, alguém tem algo a...
Diga, Rolha.
- Amigos, Bagre, soube de fonte seguríssima
que as madames voltarão para as portas dos quartéis da PM na segunda-feira. Os
caras lá de cima não respeitaram o combinado. A paralisação não terá prazo para
acabar. Creio que é um bom momento para engendrarmos ações conjuntas. Podemos
arrepiar a cidade e mostrar nossa força.
- Por obséquio, Bagre, posso dar uma sugestão?
- Claro, Pocahontas. Estamos afinados com a
atualidade. A voz de uma mulher é fundamental.
- Com todo respeito à proposição
do Sr. Rolha, creio ser este o momento de pensarmos fora do casulo. Por que, em
vez de atacar a cidade durante a greve não a protegemos?
Bagre era apaixonado por
Pocahontas. Foram criados juntos. A luta armada os separou. Observou a reação
dos parceiros. Viu surpresa, estupefação, curiosidade. Pocahontas prosseguiu.
- Sabemos que a PM é
pouco popular. Há vozes importantes que propõem, inclusive, o seu fim. Ao
atacarmos a cidade revelaremos a este povo manipulável que ele precisa da
polícia. Nós, involuntariamente, melhoraremos a imagem desgastada desta
corporação.
Camarão não resistiu.
- Algumas coisas só saem
da cabeça de mulheres. Como vamos proteger a cidade? Vamos nos uniformizar como
vigilantes?
Pocahontas desprezava
Camarão.
- Meu caro misógino.
Protegeremos a cidade ao não atacá-la. Por intermédio de nossa rede,
alertaremos a todos que qualquer crime cometido no período será julgado pelo
Tribunal do Movimento.
Camarão não se convence.
- Querido, sei que você
é travado, mas faça um esforço e pense. Quando perceberem que a ausência da PM
não causou transtorno algum à cidade, ganharão força os que almejam o seu fim
ou lutam pela desmilitarização da força. Vou lhe passar dados estatísticos
levantados por nosso Centro de Inteligência. 53% de nossas despesas é com
custeio da estrutura; 47% é para cafezinho e cervejinha de policiais, juízes e
políticos. O resultado é que precisamos elevar o preço dos produtos. Nossos
clientes passam a comprar drogas mais baratas, mais viciantes, mais mortais. E
é bom lembrarmos que pouco a pouco o discurso de legalização das drogas ganha
força. Há empresários ávidos por esse filão. O caos não nos favorece. A
atmosfera de violência e morte leva ao desejo de mudança. Entendam de uma vez
por todas: não queremos que nada mude. Continuaremos ganhando dinheiro com a
desgraça alheia, reduziremos a despesa da propina e, consequentemente, diminuiremos
o preço e aumentaremos a qualidade de nossos produtos. Não queremos nossos
consumidores mortos muito rapidamente.
Bagre olhou os
companheiros e percebeu que eles estavam convencidos. Seu olhar cruzou com o de
Pocahontas e nos verdes olhos da morena viu promessa de que, pelo menos com
ele, outro encontro haveria.
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