domingo, junho 12, 2011

VELHO VIRTUAL



O Velho Roqueiro andava atrás de um CD e não o encontrava. A edição nacional já havia saído. Fora a duas, três lojas e nada.
- Compra pela Internet, Velho.
Filósofo de Ébano era uma besta, mas navegava com desenvoltura na rede o que, em certos meios, poderia lhe garantir a direção de uma empresa. Uma empresa constituída por pascácios, certamente, mas, ainda assim, uma empresa. O Velho o achava o máximo.
- Antigamente, andávamos pelos bairros e esbarrávamos em diversas lojas que vendiam LPs, fitas cassete e, depois, CDs. Hoje, só livrarias vendem CDs.
- Esse tempo passou, Velho. Ainda há os que compram CDs. São velhos como você, Velho. Música se baixa da web. Por que ir a uma bookstore? Qual o CD que você quer?
- O novo do Strokes.
- Vou pedir pelo meu smartphone. Comprei-o em New York. Coisa de Primeiro Mundo. Tenho saudades de lá. Vou pedir, pago e depois você me dá o dinheiro.
- O telefone faz tudo isso?
O Filósofo tinha pouca paciência com a ignorância do Velho.
- Peço pro seu endereço ou você pega na bookstore?
- Hein!? O quê? Onde?
- Na Saraiva do NorteShopping.
- Por que você não fala em seu idioma? Não sou americano. Deixa que vou lá pegar. Não paro em casa.
- Então, está feito. Entregam em três dias úteis. Quarta-feira. Vou printar o comprovante. Apareça por lá na sexta. É mais garantido. Se fosse na América, quarta de manhã estaria lá. Mas aqui... Brazilians are lazy.
- Hein!?
- Me desculpe, é a forma de eu matar as saudades de New York.
O Velho ficou impressionado com a comodidade. Não precisar circular pelas livrarias da cidade atrás de um CD seria muito bom.
- Gordo, se eu fosse mais caseiro poderia ter recebido o CD em casa. Já imaginou? Mas na sexta tenho de ir ao NorteShopping. Almoço da Confraria dos Espadas.
- Telefone antes, consulte o sítio da loja, às vezes, a entrega atrasa.
- O Filósofo é um babaca, mas dessas coisas ele entende. Me garantiu que na sexta estaria lá.
O Gordo tinha antipatia espiritual pelo Filósofo. Afastava-se ante a chegada dele. Gostava do Velho. Tinham afinidades. O Velho era um puro, o Filósofo, um puto.
Na sexta-feira, depois do almoço, o Velho entrou na Saraiva e foi diretamente à sessão de CDs. Viu o disco no mostruário, sorriu e pensou: “O Filósofo é duca”. Pegou o disco e levou-o à caixa. Comprovante na mão, quis encerrar a operação cibernética.
- Leve o comprovante para aquela menina lá da ponta. Deixe o CD comigo.
Burocracia, pensou o Velho.
- Boa tarde, vim buscar um CD que comprei pela Internet.
- O comprovante e sua identidade.
- Ah, me desculpe, está aqui.
- O nome no comprovante não é o seu.
- Um amigo comprou para mim. Não entendo desse negócio de Internet.
- Vou precisar da autorização do gerente. O senhor pode aguardar um momento.
Trinta minutos depois... O gerente é humano, lancha, e lancha bem. Entrou na loja acompanhado por bela subalterna, foi ao balcão atendendo o chamado da funcionária, ouviu-a e, sem olhar o comprovante, liberou a entrega. “O senhor está com identidade, não precisava fazê-lo esperar. Por favor, iniciativa”.
Constrangida, a menina chamou o Velho.
- Vou checar seu comprovante.
- Já não checou?
- Preciso ver se o CD chegou.
- Chegou, está no Caixa.
- Senhor, não chegou. Os CDs que estão na loja nada têm a ver com os que são encomendados pela Internet. O senhor precisa ver no site da loja se seu CD já foi postado.
- Foi comprado há uma semana. A entrega foi prometida pra três dias depois.
- Não posso fazer nada.
- Já vi que você não faz nada. Me deixa falar com o gerente, se ele não estiver lanchando.
O Velho falou, explicou, apontou o disco no mostruário. O gerente, irredutível, disse que não havia o que fazer. O CD dele chegaria dali a dois dias, mas, por segurança, era bom consultar o site. O Velho respirou fundo, contou até 15, rasgou o comprovante em pedaços, disse para o gerente enfiar o CD no rabo quando ele chegasse à loja, dirigiu-se à caixa e comprou com dinheiro os almejados Strokes. Saiu da loja e de um orelhão ligou para o Filósofo. Marcou com ele no Galeto da Praça de Inhaúma. O Filósofo não dispensava uma boca-livre, iria, era certo. O local era apropriadíssimo. Todos o conheciam. Era cliente de quase todo dia. Quando começasse a encher o presepeiro de porrada não queria ninguém separando. 

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