terça-feira, outubro 26, 2010

Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus...



Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus carioca e sentar, não festeje.
Ao seu lado se alojará um magrinho de pregas arrebentadas. As pernas do tísico enrabado não se fecharão. Encochar-te-á, o de fiofó arregaçado, até o momento de descer do coletivo.
Perto de você, alguém estará conversando pelo rádio.
Priiiii... Oi, querida, mais quinze minutos e estou chegando. Priiiiiii
Priiiii Ô, amor, entrei no banheiro agora. Um piriri brabo Priiiiii
Priiiii Toma um banhozinho, fofa. Quero você cheirosinha. Priiiiii
Priiiiiiii Cheirosinha? Sorte você não estar aqui. Ainda bem que não dá pra sentir o cheiro pelo rádio. Priiiiiii
Um dia sentiremos e o futuro, por incrível que pareça, será pior do que o presente.
Você está sentado. Um calor do cão. As pernocas do espalhado estão coladas na sua. Não pode piorar. Piorou. Celular com som. Racionais a todo volume. Som horroroso. Mano Brown por 40 minutos. O dono do celular canta junto. O asno crê que seu prazer é o dos outros passageiros.
Aêê, vai sentar? Não? Sento eu. Não dá pra comer esse espetinho e tomar essa cerva em pé. Fica tranquilo, primo, não vou entornar nada. Tô caretão. Não podia deixar o ônibus passar. Desculpa, primo. É que me amarro nessa farinha na carne. Vou tomar cuidado pra não te sujar. Você quer levantar? Peraí. Eeeepppaaaa! Pô, primo, derramou na sua calça porque você esbarrou. Quer descer, desça. Vai à merda!
Você pensa em ir junto, mas o esquálido arrombado resolve apear.
Moço, dá uma licença? O senhor pode me deixar dar uma olhada no jornal? Ah, é o grobo... Não, brigada, num gosto desse jornal, num tem nada pra ler. Era pra passar o tempo. Tô preocupada. Se não chegar em Cascadura até 8h, perco o outro ônibus. Aí, só 8h30. Vou chegar tardão em casa. Meu marido fica bolado. Ele é ciumento. Outro dia, só porque estava conversando com um vizinho ele quis me esculachar. Ah, não aceito isso de jeito maneira. Sabe...
Se você tiver sorte ao embarcar em um ônibus e sentar, não festeje. Talvez você precise descer no meio do caminho, fazer sinal prum táxi e seguir viagem.
Se você tiver sorte ao embarcar em um táxi e encontrar um motorista silencioso...

Um comentário:

Ana Sampaio Fontes, pedagoga disse...

Parece que você escreveu de dentro do ônibus!É pura realidade...Pior foi durante a onda de ataques no Rio. A imprensa fez todo aquele barulho,e antes de sair de casa eu assistia aos telejornais. Embriagada pelas notícias desci de dois ônibus, por que achei alguns passageiros com atitude suspeita, temendo serem assaltantes ou incendiários... e eu tinha conseguido vir sentada da baixada pro Rio...