segunda-feira, julho 19, 2010

CULTO CONTEMPORÂNEO


PARECE INCONTESTÁVEL que, hoje, as pessoas são mais superficiais do que há poucas décadas. Vamos às evidências:
1- Textos em jornais e revistas são mais curtos. A Folha de S.Paulo, que se marqueteia como o jornal do futuro, aumentou o corpo de seus textos. Não foi por preocupação com o idoso.
2- Em novelas, no passado, quando o personagem aparecia “pensando”, estava sempre de boca fechada e demonstrava por expressões fisionômicas o que estava sentindo. Ouvíamos sua voz e sabíamos que ele “pensava”. Hoje, invariavelmente, o personagem que “pensa” falará sozinho, em voz alta. O telespectador estranharia ouvir a voz do personagem e não ver seu movimento de lábios.
3- Ainda em novelas. Não há personagem “cinza”. Ou é preto ou branco. O bom é boníssimo. O mau é pior do que picapau.
4- Lê-se mais, hoje. Dizem. A qualidade do que se lê, no entanto, é deplorável. Quem está entre os mais vendidos? Augusto Cury, Stephenie Meyer, Paulo Coelho, Zíbia Gasparetto. Lê-se poucos livros de literatura e muitos de auto-ajuda.
5- A música que faz sucesso é pobre e repetitiva, resvala quase sempre no mau gosto extremo. Só um exemplo: “O rebolation, o rebolation, xon, xon”. É de doer.
É neste contexto que vive a igreja evangélica atual. Se ela procurasse ser alternativa a este cenário tosco, ótimo. Infelizmente, a maioria das igrejas aderiu ao modelo simplista, popularesco, preguiçoso, despreocupado com a reflexão e, sem nenhuma surpresa, tem alcançado êxito de público.

“Os sermões devem voltar a ser rigorosamente expositivos para que a igreja ouça realmente a Palavra de Deus, e não opiniões humanas.” (W. Robert Godfrey)

“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Romanos 12.2)

OS BATISTAS
NA DÉCADA DE 70 do século passado, a Convenção Batista Brasileira projetava alcançar, em 1982, ano do centenário da inauguração do trabalho batista no Brasil, 1 milhão de pessoas para seu rebanho.
Em 1977, Edir Macedo inventava a Igreja Universal do Reino de Deus. (Começou-a com seu cunhado Romildo Ribeiro Soares, que logo saiu da IURD para fundar a Igreja Internacional da Graça, também uma potência proprietária de canais de TV e locatária de horário nobre em emissoras de TV aberta.) Usando meios pouco convencionais, Macedo arregimentou, em pouco mais de 30 anos, 13 milhões de fiéis.
Os batistas, em 2010, gravitam em torno do 1 milhão de filiados e enfrentam sérios problemas de identidade.
A IURD influenciou nove entre dez igrejas evangélicas. (As duas maiores são onipresentes na TV: Internacional da Graça e Mundial do Povo de Deus.) Transformou-se em modelo de sucesso, mesmo utilizando meios obscuros para crescer. Aproveitou-se da carência, falsa esperteza e ignorância do brasileiro médio para amealhar somas altíssimas em curto período de tempo. Despertou inveja. Em cascata, surgiram centenas de malandros que fizeram de diversas igrejas, de variados matizes, fonte de lucro certo.
A Igreja Batista, claro, saiu chamuscada. Crentes bem-intencionados, porém, ingênuos, começaram a cobrar das lideranças de igrejas históricas, comportamento ousado como o dos líderes da IURD que por pouco não acharcavam seus seguidores. Sem perceberem, esses “inocentes” almejavam que suas igrejas se tornassem prósperas empresas. Muito em função dessas exigências, há, hoje, todo tipo de bizarrice em nossos arraiais (como gostavam de dizer os antigos). No mesmo bairro, encontram-se igrejas batistas com propósitos, sem propósitos, com células, sem células, com visão apostólica, de rito judaizante, portadoras da arca da aliança, sem arca alguma, que adotam o crescimento natural, fechadas com a rede ministerial, adeptas do louvor ininterrupto, etc. etc. Todas batistas, todas filiadas às convenções, todas donas da verdade.

BIZARRICES BATISTAS
1- Há igrejas batistas lideradas por pastores que foram nomeados apóstolos. A PIB da Bahia (já afastada da CBB) é uma delas. Há muitas outras. Esses pastores recebem “a unção” de apóstolos de outros apóstolos. São autoridades sobre bispos e pastores. Orientam uma rede de ministros.
 2- Há igrejas batistas judaizantes. Reconhecem a validade de ritos judaicos. Umas têm até arca da aliança. Quem lida com a música é levita. As atribuições das tribos de Israel são replicadas em grupos da igreja.
3- Há igrejas batistas que baseiam seu ministério em libertação de possessão demoníaca. Há algum tempo o batista não cria em crente possesso. Além de libertação, a cura interior é incentivada. Problemas psicológicos e psiquiátricos são tratados como se espirituais fossem.
4- Há igrejas batistas que menosprezam o poder da assembleia. Não são mais os membros da igreja que decidem seu destino. Basta o líder ter uma “visão do alto” para a decisão passar a ser deles.
5- Há igrejas batistas que distorcem o conceito do “ungido de Deus”. O “ungido de Deus” pode fazer o que bem entender na igreja.

BIZARRICES EVANGÉLICAS
1- Há igrejas combatendo demônios territoriais. Os demônios dominariam algumas regiões geográficas e só seriam expulsos com oração.
“A primeira batalha espiritual grandemente divulgada de Larry Lea em Candlestick Park, em 1990, teve como um de seus objetivos a expulsão dos “espíritos territoriais” de San Francisco. Além da crença de que são dadas responsabilidades a demônios específicos para que estes oprimam indivíduos, a doutrina dos “espíritos territoriais” defende que há também demônios sobre áreas geográficas, assim como sobre grupos nacionais, étnicos ou tribais, religiosos e até de gerações. De acordo com este ponto de vista é necessário que os cristãos identifiquem estes espíritos e os expulsem.”
Demônios que oprimem indivíduos lembram os espíritos obsessores do espiritismo de Alan Kardec.
2- Há igrejas que creem em maldição hereditária. Seu trisavô se envolveu com feitiçaria, você paga, hoje. Para resolver, oração para quebrar a maldição de seu antepassado.
“Talvez um dos casos que mais evidencia que um justo pode receber maldições devido a terceiros está relatado em 2Samuel 21. O texto fala de uma fome que Israel e o reinado de Davi estava passando por causa de uma quebra de aliança que Saul fez com os gibeonitas. A pergunta que não quer calar. O que tinha a ver Israel e Davi com o pecado de Saul e sua casa? Nada! No entanto, o povo e Davi foram castigados pelos pecados de Saul.”
A leitura do texto de 2Samuel 21 mostra que para reparar o malfeito do passado, Davi pergunta aos gibeonitas o que ele poderia fazer para reparar a situação. Os gibeonitas pediram a execução de sete descendentes de um desafeto. Davi, prontamente, manda executar.
Tragamos esta situação para os nossos dias. Uma igreja não está crescendo. Os mais espirituais perguntam a Deus o porquê da estagnação. “Deus” revela que há 35 anos o terreno da igreja foi comprado de forma fraudulenta. A família proprietária do terreno, à época, foi lesada. Os espirituais dirigiram-se a dois remanescentes da família e perguntaram: “Que podemos fazer por vocês? Como podemos reparar o que foi feito?” O remanescente mais velho respondeu: “Não queremos prejudicar a igreja. Desejamos vê-la crescer. Separe para nós sete virgens das mais belas e a maldição será retirada”.
Nenhum texto da Bíblia pode ser interpretado literalmente. Há ingênuos que fazem isso. A maioria o faz com má-intenção. Há, a se considerar, época em que o texto foi escrito, contexto, intenção do autor, gênero literário e, principalmente, discernimento intelectual do intérprete.
3- Há igrejas que pregam a teologia da prosperidade. O crente tem de ser rico, saudável e feliz. Se não é, é por falta de fé.
“K. Hagin diz, com base em Gálatas 3.13,14, que fomos libertos da maldição da lei, que são:
1) Pobreza;
2) Doença;
3) Morte espiritual.
Ele toma emprestadas as maldições de Deuteronômio 28 contra os israelitas que pecassem. Segundo essa doutrina, o cristão tem direito a saúde e riqueza; diante disso, doença e pobreza são maldições da lei. Eles ensinam que “todo cristão deve esperar viver uma vida plena, isenta de doenças” e viver de 70 a 80 anos, sem dor ou sofrimento. Quem ficar doente é porque não reivindica seus direitos ou não tem fé. E não há exceções. Pregam que Isaías 53.4, 5 é algo absoluto. Fomos sarados e não existe mais doença para o crente. Os seguidores de Hagin enfatizam muito que o crente deve ter carro novo, casa nova própria, as melhores roupas, uma vida de luxo.”
Próspero, na teologia da prosperidade, é o dono do negócio. O povão, como não consegue chegar lá, deve ser culpado por falta de fé e excesso de pecado.

CONCLUSÃO
O CULTO CONTEMPORÂNEO oferece facilidades. Cristianismo é serviço.
Nas páginas do Novo Testamento, onde habitam os verdadeiros apóstolos, não há relatos de vida mansa. De lá para cá, muita coisa mudou. No Ocidente, o cristianismo passou de religião contra o sistema para religião do sistema. Não é assim na maior parte do mundo.
Mesmo onde é religião do sistema, a genuína mensagem do Evangelho contraria quase todos os valores exaltados como corretos, adequados, contextualizados.
Ser cristão traz paz e contrariedades. O cristão não se acomoda. Fica em paz com sua consciência, em guerra com aqueles a quem contraria.
É mentira quando um líder religioso diz que a conversão ao cristianismo é garantia de vida mansa, muita saúde e felicidade nos relacionamentos. O cristão é servo. E servo trabalha, trabalha e trabalha. Há recompensa? Quem é cristão sabe que sim e a forma como ela vem.

“Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá.” (Gálatas 6.7)

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