quinta-feira, julho 09, 2009

A chefinha

Quase oito horas. Todo mundo doido pra ir embora, mas sem o boa noite da chefinha, ninguém saía.
- Cadê a chefinha?
- É só você olhar pela janela. Está lá embaixo, no estacionamento, rodeada de figurões.
- Pergunte se podemos ir embora?
- Você tá louco?
Na redação, estávamos em sete. Todos loucos pra ganhar as belas ruas de São Cristóvão, protetor dos motoristas e dos assalariados apressados.
Juju, belíssima e atrevida afrodescendente esperneou:
- Vou gritar aqui de cima e perguntar se dá pra gente se mandar.
O sub lembrou:
- Sei não, a chefinha hoje não tá de bom humor. Quando ela fica um tempão naquele canto da janela, olhando lá pra fora, é bom não abusar. O gaúcho saiu daqui falando fino com o joelhaço que levou.
- Olhando pra fora, não, pra dentro. Não há nada na paisagem de São Cristóvão para se ver.
Eu, lá no meu canto, sentadinho, esperando a chefinha se lembrar de nós, acabei ouvindo:
- Você que é peixe dela podia fazer alguma coisa.
Eu, peixe da chefinha. Aiai, quem me dera. Mas fui mencionado, tive de falar alguma coisa.
- Por que não pegamos os trecos dela, avisamos que estamos descendo, apagamos tudo e vamunessa.
Minha superior imediata (que só se envolvia sentimentalmente com novaiorquinos) não achou a ideia grande coisa, mas tinha um compromisso que parecia bastante promissor. Intempestivamente, levantou-se e, da janela, avisou à chefinha que estávamos saindo e levaríamos seus breguetes.
Bolsa e agasalho na mão, ouviu o aviso do sub:
- Tá esquecendo a Montblanc dela.
Juju, espevitada, pegou a caneta e deixou-a cair no chão.
Comoção na redação.
- Porra, quebrou?
- Meu Deus, ela adora essa caneta.
- Cacilda, e agora? Juju, você entrega e explica o que aconteceu.
- Porra nenhuma. A chefinha é educada, mas se eu mostrar essa caneta quebrada vai me espinafrar lá embaixo, na frente de todo mundo.
- PORRA, quebrou?
- Amassou a pena, a tampa não estava no lugar.
Um inocente sugeriu:
- Vamos fazer um rachuncho e dar uma nova pra ela.
Senti uma fisgada no bolso. Essa turma que usa Bic não tem noção do que é uma Montblanc. Saí do silêncio:
- Dependendo do modelo de Montblanc, vamos ter de deixar o salário em troca da caneta.
A gordinha se assustou:
- Tô fora. Não sei por que vocês têm essa pressa de ir embora. Tenho dinheiro, não.
O sub sentiu que precisava decidir:
- Juju, tampe a caneta, ponha dentro da bolsa, e vamos embora. Passamos rapidamente, damos boa noite e capinamos. Com sorte, ela não mexe nessa caneta, hoje. Em casa, vai deixar a bolsa em algum lugar. Amanhã, quando perceber a caneta quebrada, além de nós, haverá os suspeitos da casa. A chefinha é casada, tem filhos, empregada.
Eu, para conquistar a equipe que ainda me tinha sob observação, prometi:
- Se amanhã ela chegar aqui aborrecida e perguntar alguma coisa, eu mesmo lanço a suspeita sobre a empregada. Direi, “chefinha, provavelmente, sua assistente doméstica deixou cair a bolsa no chão e causou o acidente com a caneta”.
Todos me olharam com ar de reprovação, mas a alternativa era enfrentar a ira da chefinha.
A reunião de pauta do dia seguinte foi tensa, mas para nosso alívio lá estava a chefinha fazendo as anotações com sua Montblanc. Letra redonda, bonita, de quem, pelo menos naquele dia, não daria esporro em ninguém.

3 comentários:

Joseti Marques disse...

Rolei de rir! Suas crônicas são ótimas, mas você jura que "ela" era essa coisa horrorosa???? Metida assim? Autoritária assim? Sei não, meu chefe... acho que carregou nas tintas... ou será que era isso mesmo? Vai saber...
Beijos.

gordofalante disse...

Claro que carreguei. Minha chefinha era um doce.

Marcelo Belchior disse...

kcete, gordo... essa tal letargia está fazendo muito bem às suas crônicas... rsrsrsrsrsrs
Também quase caí na besteira de achar que "Hanna" era Hanna, mas quando vi a vírgula do vocativo fui arrebatado do transe, e lembrei que Hanninha é linda e jamais cometeria tal violência ao dito popular pertinente às belas. rsrsrsrsrrsssss... beijo NO gordo.