terça-feira, maio 25, 2010

DELICINHA



Havia comoção no morro.
Delicinha voltaria no final de semana.
Indulto de Dia das Mães.
A mãe do facínora, quando soube que o filho estaria nas ruas, viajou para a casa de um sobrinho, em Porto Velho, Rondônia, lugar mais próximo do inferno que ela conhecia.
Delicinha foi dono do morro por 12 terríveis anos. Na época, era conhecido como Tonhão e aterrorizava as meninas da comunidade. Não se contentava em estuprar, barbarizava as mocinhas com quem cismava. Espantoso que tenha durado tanto tempo no poder. Escapou uma dezena de vezes de atentados bem urdidos. À polícia precisou cevar com muitos milhares de reais para escapar das várias vezes que foi capturado, sempre denunciado por anônimos moradores do morro.
De repente, Tonhão virou Delicinha. Liberado pela polícia depois de nova captura, sem dinheiro, raiva pura, resolveu passar uma temporada em Cabo Frio. Nas areias da praia, conheceu Filipinho. Filipinho, 26 anos, classe média alta, designer de moda, encantou-se com o charme naif de Tonhão.
Conversaram, saíram na noite, beberam e acabaram trocando fluidos em ardente noite de amor. Filipinho, em erupção, sussurrou no ouvido de Tonhão: “Você é uma delicinha”.
Tonhão não entendeu como tinha chegado até aquele ponto. Pensou, seriamente, em dar um tiro em Filipinho. Contrariando sua natureza homicida, conversou com o amante. Contou-lhe toda sua vida. Disse-lhe que já havia estuprado dezenas de mocinhas.
Filipinho horrorizou-se, mas tentou traçar o perfil psicológico do amor praiano. Explicou-lhe que o furor com que desabava sobre as meninas nada mais era do que ódio. Ele, Tonhão, não suportava fazer sexo com mulheres. Escondia-se atrás do preconceito. Reprimia a verdadeira natureza. Era uma fêmea presa em cárcere grotesco.
Tonhão, antes de voltar ao Rio, deu um fim em Filipinho. Não foi por se descobrir homossexual que se tornou pessoa mais sensível. Era o filho da puta de sempre.
No morro não pegou mais meninas. Agora, escolhia os moleques e os fazia sodomizá-lo. Não os agredia. Não os torturava. Obrigava-os a chamarem-no de delicinha.
Batia e matava como antes, todos se encagaçavam só de vê-lo. Tratavam-no por Tonhão, menos os que haviam tido o desprazer de enrabá-lo. Estes o chamavam delicinha.
Durante toda a semana que antecedeu a volta de Tonhão, centenas de jovens garanhões se mudaram do morro. Na comunidade, homens só ficaram os muito velhos ou os brochas.
Tonhão voltou e quem o viu não o reconheceu. Travestido, era agora uma mulher, se não bonita, ao menos passável.
A alguns anciãos informou:  “Voltarei para cumprir o resto de minha pena. Casei-me, estou feliz, estudo publicidade na prisão. Meu marido é pastor. Agora, sou só Delicinha”.

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